LOC.: Mais de 75% das indústrias adotavam alguma prática de economia circular em 2019, segundo pesquisa mais recente sobre o tema da Confederação Nacional da Indústria, a CNI. Mas esse tipo de iniciativa, que muda o modelo tradicional de produção e consumo dos produtos, ainda é pouco incentivada no Brasil, segundo especialistas.
Mas, afinal, o que é economia circular e por que é importante o Brasil incentivá-la? Patrícia Guarnieri, doutora em engenharia de produção pela Universidade Federal de Pernambuco, com pós-doutorado em economia circular na Università di Bologna, Itália, explica.
Doutora, o que é economia circular?
“A economia circular é um novo modelo de produção e consumo focado mais em sustentabilidade, que vem em contraposição à economia linear, que era baseado na extração de recursos naturais, manufatura, transformação desses recursos em produtos e depois o uso pelo consumidor e descarte em aterros sanitários, enfim. Então, é uma visão ali do berço ao túmulo, onde o berço é o meio ambiente e o túmulo também é o meio ambiente. Só que a gente tem vários problemas com esse modelo, que é insustentável. Primeiro, porque a gente não tem espaço para descartar tantos resíduos, que estão aumentando, e isso faz com que os locais para descarte de resíduos se tornem exauridos, além, é claro, de você jogar no lixo um recurso que poderia ser reaproveitado, revalorizado em outros produtos.”
LOC.: A alternativa, então, é mudar a lógica por trás do processo de produção?
“A economia circular tem esses conceitos de extração, manufatura, transformação [do recurso em produto], consumo e, depois, aquele resíduo que seria descartado pelo consumidor, colocado em um aterro sanitário ou incinerado, retorna como um novo produto. Então, ele serve como matéria-prima reciclada e, muitas vezes, não-reciclada, utilizada em novos produtos, em novos ciclos produtivos ou até no mesmo ciclo produtivo.”
LOC.: E qual o papel da inovação para a economia circular?
“A inovação pode ser disruptiva e mais radical, no sentido de você elaborar um produto totalmente novo. Você tem, por exemplo, resíduos que tem o valor bem inferior e que muitas vezes voltam com produtos com bastante valor. Quando você, por exemplo, pega câmaras de pneus de bicicleta e faz bolsas, cintos, artigos para indústria de órios, e que têm um valor super bacana. Acaba se criando novos nichos de mercado, novos produtos, novas indústrias para lidar com esse processo. E tem inovações que talvez não sejam tão radicais, que são mais incrementais: quando você inova no design do produto para que ele seja mais sustentável; para que ele tenha um ciclo de vida maior; para que ele troque algum material e que esse material seja reciclado no final do processo; ou pra que, simplesmente, se reduza o uso de recursos durante a fabricação daquele produto”.
LOC.: Como está o Brasil na transição para esse tipo de economia, em relação a outros países?
“O Brasil ainda tem muito a caminhar pra dizer que está trabalhando para essa transição para a economia circular. Inclusive, no mês de fevereiro agora, foi lançada uma coalizão dos países da América Latina para viabilizar a transição para a economia circular. Infelizmente, não tem representantes pro Brasil. Então, assim, isso faz com que a gente fique um pouco pra trás de todo o movimento que está acontecendo globalmente.”
LOC.: E a indústria? Qual o papel dela para que a produção e o consumo sejam mais sustentáveis?
“A indústria tem um papel essencial no sentido de promover o retorno do resíduo para que ele possa ser reinserido no processo produtivo dela própria como, também, em outros processos produtivos. É na indústria que surgem as principais iniciativas de inovação. Então a indústria vai ter que olhar pra dentro e analisar o seu produto e verificar formas de inovar para que possa fazê-lo de uma forma mais adequada, para que gere menos resíduos lá na ponta, menos recursos energéticos.”
LOC.: Chegamos ao fim da nossa entrevista. Eu conversei com Patrícia Guarnieri, doutora em engenharia de produção pela UFPE, com pós-doutorado em economia circular pela Universidade de Bolonha, na Itália. Ela explicou o que é economia circular e o porque acredita que o Brasil deve incentivar a transição para esse modelo de produção.
Reportagem, Felipe Moura.